Tucídides de Atenas |
1 - Por Nietzsche
§168
Um modelo – O que amo em Tucídides, o que me faz honrá-lo mais alto
do que Platão? Ele tem a mais ampla e imparcial alegria com tudo o que é típico
do homem e nos acontecimentos e acha que a cada tipo cabe um quantum de boa razão: é esta que ele
procura descobrir. Ele tem uma maior justiça prática do que Platão; não é um
caluniador e apequenador dos homens que não lhe agradam ou que na vida lhe
fizeram mal. Pelo contrário: vê algo de grande, no interior de todas as coisas
e pessoas e acrescentando a elas, vendo somente tipos; de que serviria à
posteridade inteira, à qual ele consagra a sua obra, aquilo que não fosse
típico! Assim, nele, o pensador dos homens, aquela
civilização do conhecimento imparcial do mundo chega a um último esplêndido
florescimento, aquela civilização que teve em Sófocles o seu poeta, em Péricles
seu estadista, em Hipócrates seu médico, em Demócrito o seu naturalista; aquela
civilização que merece ser batizada com o nome de seus mestres, os sofistas, e que infelizmente desde o
instante do batismo até nós começa de repente a se tornar pálida e incaptável. –
pois agora suspeitamos que deve ter sido uma civilização muito não-ética aquela
contra a qual combatia um Platão com todas as escolas socráticas! A verdade é
aqui tão enredada e intrincada que causa má vontade desentranhá-la: então que
siga o velho erro (error veritate simplicior*) seu velho caminho! –
*o erro é mais simples do que a verdade
Friedrich Nietzsche - Aurora – Pensamentos sobre os preconceitos morais - 1880-1881
2 - Por Zbigniew Herbert
POR QUE OS CLÁSSICOS
1
no quarto livro da Guerra do Peloponeso
Tucídides nos conta entre outras coisas
a história de sua expedição fracassada
entre longos discursos de comandantes
pragas invasões batalhas
densas intrigas diplomáticas
o episódio é quase insignificante
a colônia grega Anfípolis
caiu nas mãos de Brásidas
porque Tucídides não chegou a tempo
por isso ele ofereceu à sua cidade natal
o autoexílio eterno
exilados de todos os tempos
conhecem esse preço
2
generais de guerras mais recentes
se algo parecido lhes acontece
imploram de joelhos diante da posteridade
exaltam a si próprios, juram inocência
acusam subordinados
colegas invejosos
ventos traiçoeiros
Tucídides diz apenas
que tinha sete navios
era inverno
e navegou depressa
3
se a arte, por seu objeto,
tiver um vaso quebrado
uma alma pequena despedaçada
com pena de si própria
o que restará depois de nós
será como o choro de amantes
num hotel vagabundo
quando as paredes amanhecem
Zbigniew Herbert. Por que os clássicos. Publicado na Revista Piauí nº 20, maio de 2008 - tradução de
Sylvio Fraga Neto e Danuta Haczynska da Nóbrega
O Continente
música de Guto Wirtti, inspirada em "O tempo e o Vento", de Érico Veríssimo
música de Guto Wirtti, inspirada em "O tempo e o Vento", de Érico Veríssimo
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