sexta-feira, 11 de abril de 2014

Duas vezes Tucídides

Tucídides de Atenas
1 - Por Nietzsche

§168
Um modelo – O que amo em Tucídides, o que me faz honrá-lo mais alto do que Platão? Ele tem a mais ampla e imparcial alegria com tudo o que é típico do homem e nos acontecimentos e acha que a cada tipo cabe um quantum de boa razão: é esta que ele procura descobrir. Ele tem uma maior justiça prática do que Platão; não é um caluniador e apequenador dos homens que não lhe agradam ou que na vida lhe fizeram mal. Pelo contrário: vê algo de grande, no interior de todas as coisas e pessoas e acrescentando a elas, vendo somente tipos; de que serviria à posteridade inteira, à qual ele consagra a sua obra, aquilo que não fosse típico! Assim, nele, o pensador dos homens, aquela civilização do conhecimento imparcial do mundo chega a um último esplêndido florescimento, aquela civilização que teve em Sófocles o seu poeta, em Péricles seu estadista, em Hipócrates seu médico, em Demócrito o seu naturalista; aquela civilização que merece ser batizada com o nome de seus mestres, os sofistas, e que infelizmente desde o instante do batismo até nós começa de repente a se tornar pálida e incaptável. – pois agora suspeitamos que deve ter sido uma civilização muito não-ética aquela contra a qual combatia um Platão com todas as escolas socráticas! A verdade é aqui tão enredada e intrincada que causa má vontade desentranhá-la: então que siga o velho erro (error veritate simplicior*) seu velho caminho! –
*o erro é mais simples do que a verdade

Friedrich Nietzsche - Aurora – Pensamentos sobre os preconceitos morais - 1880-1881 



2 - Por Zbigniew Herbert

POR QUE OS CLÁSSICOS
no quarto livro da Guerra do Peloponeso
Tucídides nos conta entre outras coisas
a história de sua expedição fracassada


entre longos discursos de comandantes
pragas invasões batalhas
densas intrigas diplomáticas
o episódio é quase insignificante



a colônia grega Anfípolis
caiu nas mãos de Brásidas
porque Tucídides não chegou a tempo



por isso ele ofereceu à sua cidade natal
o autoexílio eterno



exilados de todos os tempos
conhecem esse preço



2
generais de guerras mais recentes
se algo parecido lhes acontece
imploram de joelhos diante da posteridade
exaltam a si próprios, juram inocência



acusam subordinados
colegas invejosos
ventos traiçoeiros



Tucídides diz apenas
que tinha sete navios
era inverno
e navegou depressa



3
se a arte, por seu objeto,
tiver um vaso quebrado
uma alma pequena despedaçada
com pena de si própria



o que restará depois de nós
será como o choro de amantes
num hotel vagabundo
quando as paredes amanhecem


Zbigniew Herbert. Por que os clássicos. Publicado na Revista Piauí nº 20, maio de 2008 - tradução de Sylvio Fraga Neto e Danuta Haczynska da Nóbrega




O Continente
música de Guto Wirtti, inspirada em "O tempo e o Vento", de Érico Veríssimo

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